terça-feira, 3 de julho de 2007

Havia uma porta.

Havia uma porta. Sempre há uma porta. Havia rabiscado uma porção de vezes, naquele corredor solitário, fechado e acústico, branco e sombrio, de soalho de lajota. Ficava perto da do elevador, de madeira, e das escadarias, de metal, todas do mesmo tom marrom escuro. Era grossa. Entrava direto na cozinha. Por dentro, era pintada de branco, cor dos azulejos e do teto da minúscula. O visitante dava de cara com a pia e um pequeno lixo sobre. Com geladeira e fogão, acabava em três passadas.


A sala. A porta dela sempre aberta. Havia três colchões por trás dela. Era maior. Não muito grande, de todo modo. Logo se via que a casa acabava ali, mais o banheiro, que era do tamanho da cozinha. Havia uma mesa de rodinhas no início da sala. Pequena. Um sofá enorme e branco de frente, guarda-roupas para todos os lados. Um espelho de corpo inteiro encarava os visitantes. Uma grande janela de abrir pra cima dava para a avenida Nove de Julho, completamente entulhada de plantas, apesar da proibição do condomínio. Era até fácil dizer qual era a minha janela. Bastava apontar o ponto verde. Rodeando a sala, por cima das portas, uma gigantesca estante tapada de papéis brancos, mal alinhados, cheia de grandes caixas, que por sua vez continham coisas e mais coisas, de maneira que mamãe nunca sabia onde havia deixado o que procurava. Mas nunca jogava nada fora. Não que guardasse lixo. Apenas impedia que virasse. Garrafas, as que podia, copos, não importando se de plástico ou não. Até as colherinhas de café dos restaurantes não escapavam se fossem descartáveis. Tornavam-se potencialmente úteis. Ainda no alto, as samambaias.


Nenhum senso estético. A casa inteira era pintada de branco. Três cômodos pintados no extremo da economia. Uma cor só. Os azulejos do banheiro eram de outro tom, azul-banheiro, porque não tinham sido retirados na restauração daquele "kitnet", comprado por R$ 7.000,00 todo destruído, e restaurado, a partir dos encanamentos e eletricidade até a pintura. Mais economia. Nele, a máquina de lavar, um box malfeito e aestético, de barras de alumínio suportando placas de acrílico manchado, funcional, e um vaso sanitário cor de tijolo. O vitrô do banheiro era minúsculo e quebrado. Ferros podres. Em dez anos, mais. Os vidros translúcidos foram trocados. Havia ainda um vitrô bem alto, entre o banheiro e a cozinha, do qual era possível gritar qualquer coisa e estabelecer uma conversa quase normal entre alguém que preparava a comida e outro que tomava banho.


O computador, os livros, o armário ficavam num canto. Tudo muito junto, muito territorializado. Em 1 metro quadrado, era possível, mas não simultaneamente, abrir a estante de livros, usar o computador, com o teclado no colo, ou abrir o armário. Mas como apenas para dormir os três se juntavam, estendiam os colchões no chão e transformavam a sala em quarto, era até que fácil, com alguma imaginação e sem nenhuma televisão – depois de quebrada, virara objeto proibido pela generalíssima mamã – viver naquele cubículo.